Histórias para inspirar ♥

O CAMINHO DE UMA MODELISTA

Olá, tudo bem com você? Hoje vou falar sobre os passos que um(a) modelista precisa seguir para ser vencedor na profissão. Obviamente, vou explicar com a minha visão pessoal do trabalho. 

Para quem ainda não me conhece, me chamo Antonia Ferreira e sou designer de moda. Hoje dou aulas gratuitamente no grupo MODELAGEM, do Facebook. Sou escritora de livros técnicos, tenho lançados os livros Modelagem Feminino Adulto e Modelagem Masculino Adulto. Também sou autora e editora das revistas de Moldes Colecionáveis ANTONIA FERREIRA.  

Me considero uma especialista em modelagem. Mas comecei sozinha, em um sítio, numa cidade onde mal existiam cursos de corte e costura. Modelagem industrial sempre foi meu sonho, mas era impossível me deslocar à cidade vizinha (Cianorte) para poder fazer um curso. Durante minha juventude sempre quis estudar algo, por mínimo que fosse, sobre moda, mas as obrigações da vida me proibiam de conseguir dinheiro suficiente, visto que cursos de modelagem sempre foram caríssimos para mim morando em cidade do interior onde o trabalho era mal remunerado. E também não tinha como me deslocar de uma cidade para a outra, à noite. Por todos estes motivos, eu mesma criei meu método de modelagem. A partir dos 8 anos de idade comecei a traçar. Errei muito, recortava lençóis e qualquer outro pano que encontrava e ia testando as modelagens que fazia, mas nunca conseguia fazer nada que vestisse. Minha mãe começou a dar aulas de corte e costura e ficava muito brava porque eu ficava em volta das alunas pedindo ajuda para compreender. Algumas ficavam com pena e tentavam me ensinar algo, mas eu não entendia nada, visto que elas também não sabiam. Um dia, minha mãe ficou muito cansada de me ver atrapalhando suas aulas e resolveu me ensinar a fazer um vestidinho. Sempre desenhei as roupas que queria fazer, obviamente que com os traços infantis, sem nada de técnicas, mas mostrei a ela um vestido que queria e ela me ensinou a traçar, cortar e costurar. Infelizmente, o vestido não serviu e perdemos o tecido. Era uma musseline verde-água com estampas de florzinhas em tons de branco, verde musgo e areia, lindo demais. Até hoje me lembro da frustração de querer vestí-lo e não servir. Então, minha mãe deu a desculpa de eu ser muito gorda. Não entendi nada, se eu tinha traçado ele sob medida, como não serviu? Queria vestir roupas bonitas, era bem pouco gordinha mas tudo o que ela comprava ficava lindo na minha irmã e feio em mim, porque sempre ela nos vestiu parecidas. Mas minha irmã era magra e eu era gorda. Então, decidi que iria entender sozinha o quê estava errado nas modelagens feitas pra mim e que conseguiria vestir as roupas que sonhava. Só me lembrava do retângulo que tracei inicialmente, mas o traçado mesmo não consegui memorizar.  

Desde muito pequena adorava tentar costurar.
Imagem: Dreamstime

Éramos crianças normais, que estudavam e brincavam no pomar, no paiol, no pasto e no rio, nossa vida era super agitada, junto com os filhos dos colonos vizinhos. Mas de repente eu parava e ficava tentando traçar uma peça de roupa. Um dia, com 9 anos, peguei um brim cru que meu pai comprou para cobrir o café no ‘terreirão’, minha mãe tinha branqueado um pedaço, tracei e cortei uma saia. Fui costurando e provando, sem minha mãe notar. Eu queria que a saia fosse afunilada nas pernas, porque não gostava da saia reta ou evasê, achava que me deixavam gorda, mas minha mãe só sabia fazer assim. Por isto, fui provando até conseguir dar o efeito que queria nas pernas da saia. Ela tinha uma máquina Singer pretinha e foi naquela máquina que aprendi a costurar. Eu fazia a saia, provava e desmanchava, depois refazia com os ajustes. Fiz bolsos na frente e atrás, como em saia jeans, fiz o cós com passantes, uma fenda traseira e pespontei tudo com linha preta e pesponto duplo. Caseei à mão. Não lembro quanto tempo demorei pra fazer. Os pespontos ficaram meio tortinhos, nunca me esqueci da frustração de não ter conseguido costurar tudo retinho mas, no fim, vesti a saia e mostrei pra minha mãe. Ela ficou chocada e muito feliz, disse que a saia era linda! Nossa, fiquei me achando, fiz outra saia igual pra minha irmã. Pra ela pespontei com linha vermelha. E fiz do mesmo modelo de saias para várias amigas, tudo sem cobrar nada, só pelo prazer de ver alguém usando uma roupa que eu tinha feito. Coitado do meu pai, gastei quase todo o brim de cobrir o café, ele era muito bravo mas nunca me deu uma bronca por isto. E minha mãe ficava toda orgulhosa e contando pra todo mundo. Resumindo, me lembro de ter usado aquela saia por uns 4 anos, quase o tempo todo, visto que eu sonhava em ter uma saia jeans e, como não podia comprar, ela foi a substituta. No começo era meio folgadinha e foi apertando até não poder usar mais. Fui emagrecendo na adolescência, então ela ia servindo. A última vez que usei ela foi aos 13 anos, estava bem apertada e curta, então tive que abandoná-la kkkk 

Aos poucos, comecei a fazer blusas, pegava roupas das minhas amigas pra fazer, sempre sem cobrar nada, costurava pra mim e pra minha irmã mais velha, visto que éramos quase da mesma idade. Hoje sei que, na adolescência, a gente desenvolve nossa personalidade. E, como voltamos a morar na cidade, viver costurando me tornou uma pessoa tímida. Sempre tive vários amigos, mas qualquer um me feria e eu não descartava amizades ruins por viver sempre insegura e ter medo de ficar sozinha. 

Pegava a fita métrica e tentava modelar.
Imagem: https://www.momsandcrafters.com/

Muitas vezes tínhamos festas pra ir. Naquela época a nossa igreja (Assembléia de Deus) fazia muitas festas com encontros de jovens. A gente pegava o ônibus e ia pra todo lado, lá nós dormíamos nas casas de conhecidos ou em dormitórios que as igrejas montavam. Conhecemos muita gente, mas eu sempre atrás da minha irmã, ela era quem fazia amizades e, como eu sempre estava do lado, acabava ficando amiga das pessoas conhecidas também. Mas muitas vezes eu fazia a roupa da minha irmã primeiro, ela ia para o encontro e eu ficava em casa costurando a minha roupa. Daí chegava lá no último dia, com minha roupa nova. Sempre trabalhei no comércio mas, durante minha juventude fiz muitas roupas para as amigas, nas horas vagas. Aprendi muito, mesmo assim nunca achava que estava bom e vivia tentando melhorar. Toda roupa que pegava eu olhava como as costuras eram feitas, sempre que tinha dinheiro comprava revistas de moda na única livraria da cidade, para estudar os moldes. Os que mais me encantavam eram os moldes da revista Manequim, ficava estudando cada um por anos. Sozinha, testava várias vezes a modelagem, para tentar entender como tinha sido criada. Eu queria que minha modelagem tivesse a mesma aparência dos moldes das revistas. 

Na juventude, peguei um dos meus acertos trabalhistas e comprei uma máquina reta e outra overloque e comecei a pegar costuras de uma fábrica da cidade vizinha, para fazer em casa. Eu ia buscar cada lote e, ao chegar em casa, abria todos e estudava nos mínimos detalhes, os acabamentos, o tamanho dos pontos, a graduação. A primeira coisa que fazia com cada corte que buscava era ficar horas e horas encantada com cada detalhe. Copiava tudo para poder entender depois da entrega. Naquela época, esta empresa era super rigorosa com a qualidade, pegavam facção de todo o país para fazer. Sempre fui muito caprichosa, por isto pouquíssimas roupas voltavam para o conserto. Fiz facção durante vários anos, em épocas diferentes. Quase todas as vezes era porque tinha entrado em depressão e saído do emprego, daí eu ia buscar facção para não ficar sem ganhar. Geralmente, o encantamento que eu tinha com cada corte que buscava me curavam, porque tudo eu fazia nos mínimos detalhes, cuidadosamente, observando cada ponto que as máquinas davam nos tecidos. No final, eu mesma revisava tudo antes de entregar mesmo que ficasse a noite toda para finalizar. Quando me dava conta estava de volta ao mercado de trabalho, sem me dar conta de quando a depressão tinha ido embora. Este foi um trabalho ingrato para mim, visto que, pelo meu capricho, não conseguia ganhar muito. Mas foi uma excelente época de aprendizado, entendi muita coisa somente chegando nas fábricas e saindo, sem falar com ninguém. Sempre fui muito observadora e curiosa, e apaixonada por isto então, cada mínima coisa que via, guardava no coração, visto que moda era minha vida, mesmo sem eu saber disto. 

Na juventude, me aperfeiçoei nas técnicas de modelagem, corte e costura. Era meu hobby.
Imagem: Senai

Um dia, já com 32 anos, separada e precisando sustentar meus filhos, conheci uma mulher que me ofereceu um emprego de modelista em uma empresa. Ela sabia que eu não tinha experiência mas tinha me conhecido como estilista e sabia da minha fama de costurar vestidos maravilhosos. Eu aceitei o emprego para ganhar um salário mínimo e meio e a dona da empresa enviava minhas modelagens para faccionistas costurarem. Eu não sabia que elas faziam tudo de qualquer maneira, que as peças eram estragadas na costura, visto que eu sempre fiz tudo perfeitamente perfeito. A piloto e prova existem para corrigir imperfeições da modelagem e eu corrigia com base no molde criado, sem compreender que a faccionista teria recortado toda a roupa na interloque. Um dia, voltou um corte inteiro com uma manga estranhíssima. Eu tinha achado estranho na graduação, mas era proibido fazer uma segunda peça piloto então eu corrigi o molde, graduei e mandei para o corte.  Eles queriam que eu dissesse o quê estava errado e me mandaram corrigir o corte inteiro, sozinha, visto que eles não iriam perder o tecido e eu teria que acertar. Me humilharam mais do que já faziam diariamente, era um inferno trabalhar lá. O tempo todo me chamavam a atenção, vasculhavam minhas gavetas, toda hora queriam saber o que eu estava fazendo, se eu atendia ao telefone que eles próprios me passavam,  pegavam a extensão para ouvir, criticavam minhas provas de roupas, falavam que eu demorava pra fazer as modelagens e me comparavam com outras modelistas (porcas) que conheciam. Até se eu ia no banheiro ficavam de olho pra ver se eu tinha retocado o batom ou se tinha demorado. Me mandaram costurar o lote de roupas devolvido, inteiro, fora do horário de trabalho. Sem saída, sentei em uma única máquina doméstica super velha que tinha na fábrica e costurei uma peça daquela roupa. Foi então que entendi o que estava acontecendo. A faccionista, que diziam ser pilotista, recortava toda a roupa e não enviava os pedaços tirados pra eu saber onde ela tinha cortado, sendo que eu escrevia um bilhete pra ela todas as vezes, explicando e pedindo por isto. Como ela nunca mandou nenhuma orientação eu consertava o molde a partir da peça piloto, ajustava o molde partindo da modelagem original. Nesta época, eu ficava na empresa sozinha nos fins de semana, horário de almoço e à noite, pra dar conta do tanto de trabalho que me exigiam, tudo isto ganhando pouquíssimo. Modelei a mesma peça novamente e montei. No dia seguinte, fiz a prova e tinham poucos ajustes na nova peça. Daí, eu falei para os donos da fábrica que a faccionista/pilotista estava recortando toda a peça e nunca mandou um aviso, e que eu tinha ajustado todos os moldes partindo das peças piloto costuradas por ela. Como eles tinham me humilhado demais, eu resolvi que, a partir daquele dia, não seria mais humilhada e avisei para parar o corte da fábrica porque eu tinha que refazer todas as modelagens. Minha patroa retrucou que eu ia fazer a fábrica perder dinheiro? Repliquei que ela é quem tinha escolhido a costureira pra fazer as peças piloto, que eu pedi uma pilotista e ela me ignorou, então a culpa de todo o erro que desse nas roupas era dela. Mandei buscarem nas faccionistas todos os cortes, porque todos estavam cheios de erros por culpa da ‘pilotista’, não minha culpa. 

Baixaram a bola. Trabalhei nesta fábrica mais dois meses, ferrada, pra corrigir tudo o que deu errado e eu mesma costurei todas as peças piloto. No fim de 3 meses, como eles me negaram um aumento, saí de lá, visto que estava trabalhando dia e noite, sábado e domingo, e estava até devendo o aluguel, porque tinha que pagar pra minha mãe cuidar dos meus filhos à noite e nos finais de semana. Eles ficavam na escolinha em tempo integral, e minha mãe vivia brigando comigo porque ela exigia que eu fosse pra casa pra ela sair de noite ou nos finais de semana e eu nunca tinha como sair da fábrica. Nesta época, emagreci muito, visto que não sobrava dinheiro pra eu comer. Eu tomava o café da manhã na hora do almoço: café preto e dois pãezinhos. No jantar eu fazia meio miojo e dava para as crianças. Como eles se alimentavam na escola (que era paga) antes de ir pra casa, eu só fazia aquela sopinha geralmente misturada com milho ou  cenoura pra eles, comiam e iam dormir. Se sobrasse algo, eu comia aquele restinho. Era meio miojo por noite, porque eu tinha os pacotinhos contados para passar o mês.  

(Meus filhos descobriram isto quando eram adolescentes e, até hoje, ficam conferindo pra ver se estou comendo, visto que não suportam lembrar de como passei fome e eles nunca notaram por serem muito pequenos na época). 

Saí desta fábrica e trabalhei como free-lancer por 6 meses. Mas eu não sabia cobrar, as pessoas ficavam me devendo por meses e eu quase morria de vergonha pra pedir o dinheiro. Levei muitos calotes e a situação ficou bem mais complicada, nesta época eu juntei uns 6 meses de aluguel atrasado. O dono da casa ia lá, ficava com pena porque sempre me via trabalhando. Mesmo assim, ameaçava me despejar. Eu implorava a ele pra ter mais um pouco de paciência porque ia pagar tudo. Depois de 7 meses, minha ex-patroa me procurou. Tinha contratado a modelista dos sonhos dela, uma mulher com quem ela sempre me comparava quando eu tinha estado lá, pra me humilhar. Mas a ‘modelista maravilhosa’ fez duas coleções lixos, quase tudo foi devolvido, as roupas não vestiam. Eu sabia que ela pagava entre 8 a 10 salários pra esta mulher. Ela mesma não me falou isto, uma das ex-colegas da fábrica tinha me contado.  

No dia em que me procurou, queria saber como eu estava. Disse a ela que tinha desistido de tudo e estava pensando em ir embora para o Mato Grosso, porque lá poderia ganhar mais, visto que eu quase não recebia pelo meu trabalho como free-lancer e não podia mais viver assim (na época, muitas famílias foram do Paraná para o Mato Grosso, Rondônia, Acre e Pará e as notícias sempre deram conta de que tinham ficado muito bem de vida, que lá corria muito dinheiro). Ela voltou na fábrica, conversou com o marido e me ligou perguntando se eu gostaria de voltar a trabalhar pra eles. Eu estava tão desanimada que disse que só voltaria se ela demitisse a outra modelista, se confiasse em mim a ponto de deixar eu fazer a minha própria modelagem, do meu jeito sem interferir, que me deixasse criar uma nova modelagem específica (porque atendíamos a dois públicos diferenciados: grávidas e gordas), que me deixasse ser a estilista (ela tinha uma vendedora que era estilista), que teria que comprar uma máquina reta e outra overloque industriais para a empresa, que teria que contratar uma pilotista, que deveria deixar eu explicar quando visse alguém fazendo algo da maneira errada na fábrica e que eu queria ganhar 10 salários. Falei tudo de uma vez, esperando o não, mas ela topou na hora e voltei a trabalhar pra eles no dia seguinte. 

Consegui me tornar uma modelista profissional.
Imagem: Shutterstock

Enquanto não encontrava a pilotista, eu mesma fui costurando as peças piloto. Fazia tudo: desenhava, modelava e costurava. Pedi um prazo de 15 dias para recriar a coleção, modelar, finalizar as pilotos e fazer as provas de 25 modelos, visto que eu tinha que fazer tudo por etapas, pra não perder o tempo, porque tínhamos menos de 1 mês para chegar a feira de moda da cidade. Detalhe: modelava manualmente. 

Fui costurando e pendurando tudo numa arara. Estava angustiada, sem saber se a minha modelagem vestiria bem mas, pra mim, aquela oportunidade era tudo ou nada. Dentro daquele mês eu estava disposta a saber se eu tinha mesmo criado o design da nova modelagem ou se estava louca e seria mandada embora. Arrisquei tudo: a sair de lá mais desmoralizada que antes, a ter que sair da cidade porque não tinha mais como me sustentar, a ficar mal falada, se tudo desse errado.  E uma noite, na máquina, costurando, olhei para o lado e ela estava vestida num dos vestidos da arara.  

Foi uma das mais belas visões que tive na vida. Fiquei sem palavras. Ela estava com um sorriso iluminado no rosto. O vestido não deu nem um ajustezinho, vestiu perfeitamente! 

Ela e o marido se empolgaram, falaram pra eu parar de costurar porque ela queria provar tudo e demos muitas risadas, fomos provando todas as peças, deram poucos ajustes, mas o mais impressionante é que todas as peças eram lindas, de uma qualidade que eles nunca tinham visto e algumas não deram ajuste nenhum. Combinamos que, no dia seguinte, eu graduaria as peças prontas e já colocaríamos no corte. No dia seguinte, contrataram a pilotista. 

A partir deste dia, tudo foi maravilhoso. Ela me chamava para ajudar a escolher os tecidos, fizemos um catálogo, em tempo record, ensinei-os a passar as roupas de uma maneira melhor, até a mesa de passar foi colocada perto de mim, ensinei a dobrar de uma maneira que cada peça ficasse mais bonita dentro do pacote. Antes da feira, pedi a ela para deixar eu fazer uma pequena exposição nas lojas para as vendedoras, e tudo o que eu pedia eles aceitavam. Fui nas lojas, mostrei cada modelo, expliquei detalhes das roupas, dos acabamentos, porquê cada roupa era feita daquela maneira, porquê usamos determinado tecido em determinada peça, como vestiria nas clientes, falei sobre o conforto, a beleza da peça no corpo, o efeito que a roupa teria ao caminhar, etc. As vendedoras ficaram encantadas porque, assim, elas teriam muito mais argumentos para vender. No segundo dia da feira as lojas estavam vazias! Esta era a única fábrica que produzia para vender na feira, visto que era uma feira para apresentar os modelos e pegar os pedidos. Mas nesta fábrica os patrões tinham uma visão diferenciada e produziam as peças para vender já na feira. Mas o sucesso foi tanto que em menos de dois dias tudo estava vazio. As vendedoras passaram o resto dos dias da feira pegando pedidos e se queixando que queriam roupas para vender, os clientes estavam enlouquecidos. Produzimos muito.  

No dia do pagamento, de menos de um mês trabalhado, pareceu que, ao invés de um cheque, recebi o sol na minha mão. Nunca tinha visto tanto dinheiro junto de uma vez. O patrão me pagou feliz e eu fiquei muito feliz. Saí de lá e fui direto para a casa do proprietário da casa onde morava. Ele não estava lá, então assinei o verso do cheque e o deixei com a esposa, pedi se ele poderia me levar o troco no dia seguinte. Paguei todos os 6 aluguéis de uma vez, e sobrou um monte de dinheiro. Neste mesmo dia, um pouco mais tarde, ele apareceu em casa pra me levar o troco, estava muito emocionado. Me falou: “Antonia, eu considerava estes aluguéis como perdidos. Nunca esperei que você fosse uma pessoa tão honesta, que me levaria o cheque do teu pagamento, com um valor tão elevado, e deixaria lá em casa, tamanha era a tua vontade de me pagar e a confiança que você teve em mim. Ninguém faria isto, fique você sabendo, não existem pessoas assim. Hoje, eu preciso te dar um abraço e te pedir perdão porque eu pensei mal de você e agora vi uma pessoa que eu não tinha conhecido até neste momento, a partir de hoje a consideração que terei por você é de como se você fosse minha filha”. Claro que fui uma filha que nunca mais fiquei devendo aluguel, mas pra tudo o que precisava eu ligava pedindo ajuda e ele me ajudava. Foi uma das pouquíssimas pessoas no mundo que me ajudou. 

Dois meses depois, eu pedi um aumento para o dono da empresa. Cheguei munida de todos os argumentos necessários, e tive uma boa conversa com ele. Me ofereceram 1% de todas as vendas, além do salário que já ganhava, e eu aceitei. Comecei a ganhar muito dinheiro, obviamente trabalhando bem mais.  

Um modelista ganha muto bem.
Imagem: Clube do Design

Naquela época o enfesto era todo manual, o dono da fábrica enfestava junto com o cortador. E começaram a me chamar pra ajudar quando não davam conta de fazer um bom encaixe. Foi assim que aprendi a encaixar e enfestar. 

Eu trabalhava o tempo todo, mas nunca fui mais feliz comigo mesma do que nesta época. Fazia o que amava e era reconhecida por isto. Naquela época, não sei se isto dura até hoje, modelistas e estilistas não se falavam. Você era meio que propriedade da fábrica, falar com outro estilista ou modelista era uma traição. Por isto, eu nunca podia falar nem com outros donos de fábrica, nem com os profissionais, mas eu vivia sendo procurada, todos tentavam chegar perto pra falar sobre algo comigo, muitas lojas fotografavam nossa coleção para copiar, sendo que nossa roupa era de grávidas e de gordas, algo que ninguém mais fazia, isto me valorizou muito. E, pelo volume de pedidos, decidimos parar de fabricar para gordinhas e focamos só na roupa de gestante. A fábrica hoje está muito grande e os patrões são meus amigos queridos até hoje. Pessoas que eu respeito muito e que me deram a chance de mudar minha vida. 

Contei a história até aqui para falar sobre um assunto muito angustiante para modelistas de fábricas ou empregados(as) em ateliers: Todo molde precisa de provas e ajustes e você precisa se valorizar. Nunca deixe alguém diminuir o teu trabalho. 

ORIENTE AS PILOTISTAS (ou piloteiras) 

Em fábricas, o molde deve ser cortado exatamente no tecido para o qual o molde será feito. Não pode ser cortado em um retalho qualquer e depois ser produzido em outro tecido. Verifique e exija do teu cliente ou patrão a confecção da peça piloto no tecido correto. Dê uma ficha ou mesmo um papel em branco e caneta à pilotista e a oriente a colar ou alfinetar neste papel todo o tecido que retirar da peça confeccionada. Por exemplo: a bainha da frente e costas não batem no final. Ela recorta a parte que está sobrando e prega no papel com a anotação: “bainha”. Se retirar um bico de alguma parte da roupa. Deve fazer o mesmo e anotar de onde retirou. Mesmo que retire 3 milímetros deve fazer isto. Montagem de peça piloto não é o mesmo que facção. A pilotista deve fazer o melhor acabamento para produção e nunca deve refilar nada sem pegar o pedadinho e colar no papel da modelista. Ser pilotista é uma profissão séria. Uma pilotista nunca deve achar que é só uma costureira sem responsabilidades. A modelista deve orientar ao vivo ou escrever os processos para que a pilotista saiba o caminho a seguir. Todos os acabamentos devem ser decididos e explicados pelo(a) modelista. Por isto sempre oriento a modelistas que devem saber costurar. Se não sabe costurar, vai ter que se conformar em aceitar a peça piloto do jeito que a pilotista quiser fazer. 

A pilotista deve ser inteligente e caprichosa, pois é o seu trabalho que todas as outras costureiras irão seguir.
Foto: Depositphotos

PROVE O MOLDE

Depois de confeccionada a peça piloto, esta peça deve ser provada no(a) modelo pré-definido da fábrica. A(o) modelista deve pré-conhecer o modelo (humano) e ter tirado suas medidas antes de começar a traçar a primeira peça para a fábrica. Porque cada modelista tem sua própria tabela de medidas, não é correto o confeccionista simplesmente dizer a numeração que deseja para a(o) modelista e achar que tudo vai sair às mil maravilhas, isto é uma fantasia. Cada fábrica produz para determinado público-alvo e o corpo do modelo é como um protótipo. 

A prova da peça piloto deve ser feita pela(o) modelista, SEMPRE. Nunca aceite que outra pessoa faça a prova das peças modeladas por você. Este entendimento deve ser feito entre ambas as partes, antes de começar a executar o trabalho. Se, por acaso, a fábrica tem um funcionário que se relacione com você e traga os recados do confeccionista, e esta pessoa seja resistente à tua prática de modelar, recuse o trabalho. Vai te dar menos prejuízo do que fazer e ter que suportar humilhações ou até o não recebimento pelo trabalho. Ou peça para falar diretamente ao patrão as tuas condições.  

SEMPRE COMBINE ANTECIPADAMENTE O VALOR DO TRABALHO 

Existe um ditado que diz: “O combinado não é caro”. 

Com isto em mente, SEMPRE combine todos os passos que seguirá até finalizar a modelagem, se estiver trabalhando como free-lancer. Exija a metade do pagamento antecipado, nunca entregue fiado. Nada de ir entregando, esperando receber ao finalizar o trabalho, ou juntar uma quantidade de modelagens, para depois receber. Se o cliente buscar uma modelagem, deve ter pago antes ou finalizar o pagamento no ato.  

Acontece muito do cliente buscar a modelagem para ser pilotada na fábrica. Você deve, junto com a modelagem feita, enviar a carta com as orientações à pilotista. Se ela não seguir tuas recomendações, reclame com o cliente, para que ele oriente a funcionária.  

Geralmente, você deve definir o valor que cobrará pela modelagem da piloto e um valor bem menor pela grade. Então, pode cobrar antecipado: ou somente o valor da modelagem piloto ou só entregar esta modelagem para a fábrica depois do cliente te pagar por ela.  

Sempre combine todos os detalhes do trabalho antes de começar a executá-lo.
Fonte: Exame

Por exemplo, se uma modelagem de piloto custa 70 reais, mais 20 reais cada graduação (exemplo: P/M/G), tudo custará 110 reais. Se tiver cobrado a metade antecipada, então terá recebido 55 reais. Daí, para entregar a modelagem de piloto, vai precisar cobrar os 15 reais da diferença. Faça isto sempre, porque alguns modelos podem ser rejeitados pela fábrica e você acabar sem conseguir receber depois pelo restante que faltou.  

Mas, se for fazer uma grade de 4 números (ex.: P/M/G/GG), nos mesmos valores, tudo vai custar 130 reais (70 da piloto, mais 20 por 3 numerações adicionais). Neste caso, a metade que o cliente te pagou antecipada será de 65 reais. Assim, com pouca diferença no valor, você não terá que passar pelo constrangimento de cobrar o restante do valor da peça piloto para entregar o molde, deu pra compreender a explicação?  

Outro exemplo é quando a fábrica só quer contratar a modelagem piloto. Acontece muito com fabricantes que possuem CAD. Neste caso, vale cobrar a metade antecipada e a metade na entrega, mesmo que a fábrica tenha te pedido 50 modelagens e venha buscar de uma em uma. Você pode até ir entregando enquanto tiver saldo, por exemplo, se a fábrica pagou por 25 modelos (a metade), você poderá entregar sem receber até inteirar 20 modelos, porque desta forma já tem o valor recebido. Mas sempre deve deixar um saldo de garantia, pelo menos 5 modelagens pagas, para não correr o risco de perder o restante ou parte do trabalho. Mas assim será mais difícil de conseguir convencer o cliente a te pagar à vista por todas as outras modelagens que buscar. Por isto, se o cliente disser que tem pressa nas modelagens, você pode combinar com ele de buscar de 10 em 10 peças, deixando claro que, a cada entrega, deve trazer o restante do pagamento.  

Todas estas orientações são pelo fato de existirem clientes confeccionistas muito bons, mas são raros. A maioria são pessoas que não se importam de ficar devendo e nunca mais pagar ao modelista. Por causa desta maioria, é prudente ter cuidado com todos. Todas estas dicas servem também para estilistas. Nunca, de maneira nenhuma, comece a traçar sem ter recebido a metade do valor. Eu já fiquei com lotes inteiros de modelagem. No início da minha era de free-lancer tinham clientes que traziam os modelos e eu não cobrava a entrada. Quando estavam prontos, vinham buscar os moldes piloto sem o dinheiro pra me pagar e brigavam por eu não entregar sem receber. Quanta gente até gritou comigo e tentou levar os moldes na marra, obviamente eu não veria mais a cor do dinheiro. Muitos deixaram as modelagens feitas e nunca mais apareceram. Tiveram dois que deixaram a coleção inteira pronta e fiquei anos com aqueles moldes, um trabalho que eu fazia muitas vezes sem dormir, pra dar conta, e depois nunca mais receber por eles. Mas nunca tive ninguém pra me dar uma orientação, por isto hoje tenho esta experiência e peço que nunca entreguem nada fiado. O cliente pode ser bonzinho, ter uma conversa suave, mas se quer te dar o calote obviamente vai falar manso. 

CORREÇÃO DO MOLDE 

Depois de provar as peças piloto, você deve trazê-las para casa (caso seja free), ou levar à tua mesa para corrigir os moldes. Se alguma peça tiver dado muitos ajustes, refaça a peça piloto e prove novamente. É TOTALMENTE normal fazer duas peças piloto e provas. Até 4 peças piloto são feitas, dependendo da dificuldade da modelagem. Nunca deixe o cliente ou funcionários da confecção te humilharem por ter que refazer peças piloto.  

Nunca cobre a mais do cliente pelas provas e ajustes, isto faz parte do trabalho de modelista, por isto deve saber cobrar. 

MODIFICAÇÃO DO MODELO 

Se você não for o estilista e o molde sofrer modificações, deve cobrar pelo trabalho de modificar, mesmo que a peça tenha ajustes. Esta é outra questão que sempre deve ser combinada, ao receber os modelos para modelar. Esta orientação é para free-lancers. Você não é responsável pelo desenho da peça, ela já foi aprovada pelo patrão. Então, deixe claro isto e, se fizer um contrato de prestação de serviços não se esqueça de colocar nele este ítem. Defina o valor que vai cobrar para cada modificação da modelagem.  

GRADUAÇÃO DO MOLDE 

Somente depois do molde piloto chegar até aqui é que você fará a grade. Nunca gradue moldes sem pilotos e provas. A grade deve ser feita com todo o capricho, número a número. Anote todas as orientações em todos os moldes e, se um modelo utilizar 2 tecidos diferentes, desenhe linhas ou padrões para que o cortador não se perca. Se o modelo tiver 3 tecidos diferentes, em um use linhas, no outro use caminho sem fim, etc. Mas deixe tudo super bem marcado, para que o cortador consiga separar as partes sem dificuldades. 

ATELIER DE COSTURA 

Num atelier as roupas são feitas sob medida.
Imagem: Shutterstock

Em atelier de costura ou atelier de noivas, os moldes devem ser cortados em morim, ou tnt. Esta peça se chama TELA (não é peça piloto, como já li em alguns lugares). Saias godês podem ser cortadas no próprio tecido a ser confeccionado, mas deixe o máximo de barra para acertar depois.  Deixe folgas de costura nas laterais e nos zíperes de, no mínimo, 4 cm. Nos acabamentos deixe folgas de 1,5 ou 2 cm. Depois de provar e ajustar a tela é que você corta a roupa no tecido a ser confeccionado. 

Neste tipo de empresa também já trabalhei e vi amigos sofrendo. Um amigo, certa época, chegou a desanimar de tudo, tamanha foi a humilhação a que foi submetido em um atelier. A dona do lugar exigia que ele fizesse modelagens sem prova, queria que fizesse os vestidos e vestissem perfeitamente nas clientes, na primeira prova. Não haviam telas, não havia primeira prova, ela queria que a primeira prova já fosse a definitiva. Foi muito dolorido ver ele naquela situação, todo complexado, sendo um profissional incrível, mas ela tinha destruído toda a sua autoestima. Expliquei os mínimos detalhes pra ele, que nada daquilo foi culpa dele, dei um livro meu (e-book) e dali uns dias, depois de chorar muito, recomeçou e hoje está muito feliz, aprendeu que os erros não eram dele, mas da maneira que a mulher queria conduzir seu atelier sem saber modelar ou costurar.  

Este é mais um dos motivos pelos quais você deve manter sempre sua autoestima nas alturas. Faça teu trabalho sempre da melhor maneira possível, estude, não se canse de estudar. Exija o respeito que lhe é devido, nunca baixe a cabeça nem deixe patrão ou seja quem for te humilhar na tua profissão. Isto nunca vai te trazer nada de bom. Ser humilde é bom, mas não é bom deixar que nos atinjam a ponto de perder a autoestima. Você nunca vai saber tudo. Mas quando surgir alguma dúvida, treine sozinho, apesar que hoje em dia é fácil pedir ajuda na internet. Mas nunca diga: não sei fazer. 

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Muitas vezes, confeccionistas sem experiência estranham as provas e ajustes. Pensam que estão perdendo dinheiro com isto. Cabe a você orientá-los deste passo-a-passo e mostrar a eles que todo este processo existe para evitar perdas de lotes inteiros de tecidos. Convença-os de que o trabalho de modelista envolve todas estas etapas e que você vai entregar um excelente trabalho. 

No nosso canal do Youtube tem tudo sobre modelagem e costura, te convido a acessá-lo e navegar nele: 

Se sobrar alguma dúvida por favor comente aqui que, assim que tiver tempo com certeza responderei, tá? 

Beijos a todas(os). 

Antonia ♥ 

CRÔNICA ANTERIOR

COSTUREIRAS SÃO RESILIENTES 

Hoje vamos falar sobre capacidade que as costureiras precisam ter de superar obstáculos na profissão.

Hoje vou falar a vocês sobre resiliência. O que seria isto? 

Segundo o Dicionário Aurélio, resiliência é: 

1 – Propriedade de um corpo de recuperar a sua forma original após sofrer choque ou deformação. 

2 – Capacidade de superar, de recuperar de adversidades. 

Então, vamos conversar sobre a segunda definição. 

Geralmente, minhas publicações são voltadas a modelistas ou estilistas, e ainda há muito o que falar a este respeito. Mas hoje, vamos falar às(os) costureiras(os). 

Costurar é uma linda profissão.
Imagem: Pixabay

Costurar é um trabalho árduo e raramente valorizado. As pessoas de fora do ramo, muitas vezes, veem costureiras como uma profissão de baixo nível, as(os) quais não merecem cobrar o valor correto pelo trabalho realizado. Decidem que podem ir buscar a roupa e não pagar visto que, na sua opinião, nem deu trabalho, só foi uma ‘passadinha de linha’. Muitas(os) clientes se acham no direito de colocar o valor que deseja pagar pela costura. Muitos levam roupas para consertar e demoram até anos para buscar, desrespeitando totalmente a necessidade da costureira, de receber pelo trabalho executado. Muitas vezes, parentes e amigos aparecem com sacolas de roupas para consertar, sem a intenção de pagar pelo trabalho que será realizado. Se a costureira cobra, ficam ofendidos. Pessoas enviam roupas sujas para o conserto, desrespeitando os hábitos de higiene da costureira. Outra traz a roupa e não para de ligar ou vir e voltar todos os dias, perguntando se está pronto e, se não estiver, soltam um desaforo. Outros aparecem pra ‘bater papo’ e ficam ali, atrapalhando, pegam uma pinça aqui e colocam em outro lugar, pegam uma tesoura, distraídos, e as colocam em outro lugar. Quando vão embora a gente fica louca procurando onde estão os objetos que usamos e que sempre sabemos onde deveriam estar. Tem gente que acha que costura não é trabalho, daí a cliente chega e a pessoa não arreda o pé, fica ali, a costureira atendendo a cliente e a ‘amiga’ dando palpites. Outros levam a roupa pronta e voltam dali a alguns dias dizendo que não serviu, querendo o dinheiro de volta sendo que, na hora de buscar, estava bom. Já aconteceu comigo de fazer um vestido lindo, todo bordado à mão, para uma mãe de noivo e ela, depois de usá-lo na festa, veio à minha casa dois dias depois com o vestido todo rasgado nas costuras, dizendo que eu tinha comprado um tecido podre. Como eu era tímida na época, devolvi o dinheiro a ela e a pessoa ainda se achou no direito de querer receber até o dinheiro do desconto que dei a ela por ter feito várias roupas para a família. Um estresse totalmente desnecessário, vindo de uma pessoa que eu nem ao menos queria atender. Mas, como estava feito e já tinha me envolvido com aquele tipo de gente, achei melhor devolver o dinheiro da ‘princesa’. Depois, peguei um retalho do tecido que tinha sobrado e puxei pra todo lado, forcei e não rasgou. Foi aí que entendi ter levado um golpe. E isto é algo que não é raro acontecer com costureiras. 

Outra vez, uma cliente me trouxe uma sacola com tecidos e uma calçola usada, enorme e suja no fundilho. Quando voltou eu perguntei o quê tinha pra consertar naquela calcinha, se não tinha nada estragado. Ela teve a cara de pau de me dizer que queria que eu a trocasse pelas costuras que tinha trazido. 

Outra amiga aparecia de vez em quando pra conversar. Chegavam clientes e ela ali, plantada batendo papo, me atrapalhava, visto que atender clientes é algo que precisamos doar o tempo à cliente e não perder a atenção. Esta amiga tinha um cheiro insuportável. Muitas vezes ela ia na porta, dizendo que era pra ‘’não atrapalhar”. Daí, faça idéia, o atelier inteiro infetava e ficávamos, eu e a cliente constrangidas, sem saber o que fazer pra mandá-la embora.  Sinceramente perdi algumas clientes por causa dela, a falta de noção era detestável.

Nunca toque em algum objeto do atelier.
Imagem: Pixabay

Por todos estes motivos e por infinitos outros, muitas mulheres se frustram, algumas entram em depressão e perdem todo o amor pela costura. Daí, quando a pessoa para de trabalhar, os mesmos que a insultavam começam a choramingar por ter perdido a costureira, visto que este não é um profissional tão fácil de encontrar. 

Mas então, depois de desenhar todo este cenário, vamos voltar à resiliência: 

Para que uma pessoa consiga vencer e ser feliz no ramo da costura, é preciso, em primeiro lugar, ter a própria estima nas alturas. Aprender nunca aceitar desaforos e falar mais alto que a cliente, se for necessário, obviamente que com respeito, sem perder a compostura. Porque, se você perde a autoconfiança e o prazer de costurar, não te sobra quase nada. Pense que aceitar clientes maus vai te estressar e te fazer mal. Ninguém trabalha por diversão. Quem costura para fora faz isto porque precisa daquele dinheiro para sustentar ou ajudar nas despesas da casa. Mesmo que teu atelier seja modesto, você precisa encará-lo como algo profissional.  

Nunca aceite um possível cliente desmerecendo você ou o teu trabalho, ou a tua profissão. Mostre ao cliente o teu valor. Se o cliente te diz para baixar o preço, porque “fulana de tal cobra a metade do teu preço”, diga a ela que pode levar suas roupas à fulana de tal. Mostre no teu semblante que não se intimidou. Nunca demonstre raiva, medo ou frustração, sempre mostre tranquilidade, mesmo que, por dentro, esteja para explodir. 

Um exercício que fiz por muito tempo, e que me ajudou muito, foi treinar na frente do espelho. Ficava lá, toda hora que podia, treinando a cara que faria e como responderia a determinados clientes. Muitas vezes falei para os clientes levarem embora suas roupas, levarem para as outras barateiras ou dizia que eu não costuraria pra elas porque tinham me ofendido. E, invariavelmente, depois de testarem outras, elas voltavam. Vinham bem educadas, falando numa voz suave e me explicando que fulana tinha estragado todos os seus tecidos ou roupas. Que eu cobrava caro, mas tudo ficava perfeito. A partir dali, desenvolvíamos uma parceria amigável, sempre com respeito dos dois lados. Estas clientes passavam a ser aquelas que nunca mais reclamavam do preço e ainda falavam bem de mim para as amigas, que também acabavam virando clientes. 

Treine teu semblante e diálogos na frente do espelho.
Imagem: Pixabay

Quando vi que a única opção que teria era treinar no espelho, visto que estava começando a odiar as clientes, fiz isto por meses, imaginava qualquer situação que tinha me estressado ou algo que nunca tinha acontecido, as quais imaginava que um dia poderia acontecer. Criei vários diálogos para vários tipos de situações e, aos poucos, comecei a colocar em prática. Sempre com o coração na mão, mas mantinha o rosto inflexível, a voz doce e o melhor sorriso na cara. Eu tinha um semblante que conhecidos novos me perguntavam sempre porquê eu estava brava. Então treinei para tirar a carranca do rosto também. O resultado foi esta cara que vocês veem até hoje, sempre calma.  

A primeira coisa que treinei foi o preço. Sempre eu pensava em cobrar um valor, mas cobrava menos. E sempre ficava me culpando por dentro porque achava que tinha cobrado pouco. Descobri que meu coração tinha um valor e que eu dava sempre um valor abaixo. Daí, depois de treinar no espelho, comecei a dar o preço correto. O impressionante é que ninguém reclamou, porque eu dizia o valor tranquilamente. Comecei a ganhar mais.  

Lembram daquela amiga que aparecia sempre pra conversar? Um dia, depois de pensar muito, pedi a ela para não aparecer mais no meio do dia, porque eu tinha que ganhar dinheiro, que não estava ali brincando e que ela me atrapalhava toda vez que chegavam clientes. Que eu não tinha tempo pra conversar então me desculpasse, mas não queria que aparecesse sem avisar. Ela ficou magoada, mas depois entendeu. E somos amigas até hoje. Nunca disse nada do cheiro, porque achei que iria ferí-la demais. 

Meus filhos sempre diziam que eu sorria o tempo todo enquanto a cliente estava presente e que, quando iam embora, de repente e eu ficava séria. Mas era porque eu sempre estava preocupada. Só que os outros não têm nada a ver com isto, não posso colocar meus pesares nas costas de clientes. Então sorrir e ficar tranquila virou algo automático, eu não sofria para sorrir mesmo que o assunto fosse ruim, como negar costuras fiado, ou explicar porquê precisava de tanto tecido para confeccionar uma roupa, sendo que a cliente tinha trazido 30%  de tecido a menos. Sempre mostrava segurança e tranquilidade. Minhas clientes me amavam, mas não era raro ouvir boatos de que, para fazer uma roupa comigo, tinha que trazer um balde de dinheiro. Obviamente isto não me incomodava porque eu sabia que, para os padrões da cidade, meu preço realmente era alto. 

Cobre o valor do teu trabalho.
Imagem: Shutterstock

Treine para falar com clientes que gostam do fiado. Depois de praticar muito na frente do espelho, descobri uma boa tática de negar sem me envergonhar ou envergonhar a(o) cliente: em primeiro lugar, sempre diga o valor da costura na hora que a(o) cliente traz a roupa. Porque, se ela(e) achar caro, terá a liberdade de levar em outro lugar. Na hora de buscar eu mostrava a roupa e sempre pedia para fazer a última prova ali, na hora em que iam buscar. Se a pessoa se recusasse a provar, eu avisava que era a chance de eventualmente corrigir algo que estivesse errado. Daí, quando a pessoa tirava a roupa provada, eu ia dobrando e já falava o preço, a roupa na mão, fora da sacola.  Era a hora X, e sei que muitas costureiras passam exatamente por isto. Se a cliente tinha intenção de levar fiado, neste momento tinha que me falar. Digamos que a pessoa dissesse: ‘ai, eu não trouxe dinheiro, por isto ou aquilo, posso levar e vir te pagar amanhã?’ Eu colocava a roupa, tranquilamente, na sacola, o sorriso colado no rosto e dizia que ia guardar pra ela buscar com o dinheiro, visto que eu não tinha tempo de fazer cobranças, caso ela não trouxesse o dinheiro. Se a pessoa insistisse, eu dizia que sustentava minha casa, por isto não podia entregar fiado. Ponto final, dizia isto com a voz suave, mas firme. Quantas e quantas centenas de vezes a pessoa voltou, algumas vezes no mesmo dia, com o dinheirinho na não, pra buscar a roupa. Se, por acaso, a pessoa não quisesse provar, eu não desgrudava da sacola até o dinheiro estar na minha mão. Treine e, assim, vai parar de receber calotes. Nunca entregue a sacola de roupas sem receber o dinheiro, mas não pode magoar o cliente. Então, esta era minha estratégia para que o cliente nunca notasse que eu fazia isto de propósito, visto que a maioria vinha com o dinheiro para pagar. Mas um só calote estraga o mês inteiro de planejamento e trabalho nosso, então eu tinha que tomar um cuidado com todos, sem que nenhum se sentisse acuado. Parecia algo casual mas era muito bem ensaiado. Exatamente para parecer casual. 

Treine na frente do espelho para responder a clientes mal educadas. Tive uma cliente muito rica e conhecida na cidade por ser uma pessoa intimidadora e arrogante. Uma vez, ela veio trazer um conserto, pra me testar. Eu vi na cara dela que estava ali me testando, visto que a costureira dela morava a 3 casas da minha. Na hora de buscar, obviamente ela amou (porque eu deixava a roupa sempre mais bonita do que elas traziam), disse que ia pegar o dinheiro no banco e que, na volta, me pagaria. Eu, sorridente como sempre, disse com firmeza que tudo bem, na volta então ela pegava a roupa senão eu me esqueceria (to rindo aqui da lembrança). Mas, por dentro, eu estava num nervoso que só por Deus. Porque cada dinheiro não recebido era um transtorno pra mim. Dali dois dias ela veio buscar. Se eu tivesse entregado fiado, ficaria o tempo todo achando que tinha levado um calote, visto que, talvez, nunca mais ela voltasse para pagar. Mas, em outra ocasião, a mesma veio trazer um vestido pra fazer. Dei o preço e ela gritou comigo. Disse: COMO ASSIM, QUEM VOCÊ PENSA QUE É? COMO UMA COSTURA CUSTA TUDO ISTO, UM TRABALHINHO DESTE??? (Isto mesmo, gritando). Mas eu fiquei irredutível, meu preço era aquele. Ela gritou mais alto, perguntou se eu ia perder uma cliente boa só pra não baixar o preço? Eu olhei-a bem firme nos olhos, respirei fundo pra não gritar também e respondi, com toda a gentileza que me era peculiar, que cliente boa eram as que pagavam o que eu cobrava, e em dia. E que eu estava lotada de costuras. Pensei que ela iria embora, mas, ao invés disto, se acalmou e deixou o vestido pra eu fazer, começou a falar tranquila, numa calma impressionante. Daí eu entendi que gritar era a maneira dela conseguir o que queria de graça, sempre. Como ficou sem argumentos, baixou a bola e voltou a conversar normalmente. Não importa quanto dinheiro a pessoa tem, se gosta de não pagar, ela sempre vai dar um jeito de conseguir. Muitas vezes, clientes ricas são muito piores para pagar que clientes pobres, anotem isto. Porque a pessoa pobre honesta sempre guarda o dinheiro contado da costureira, e não o gastam. Nunca ficam de pechincha, perguntam o preço, são uma gracinha de lidar. 

Fui testando minhas técnicas com um cliente e outro, até me acostumar. No começo, por um mês talvez, você sofrerá muito ao fazer isto. Vai sentir vontade de chorar, vontade de vomitar, mas vai dizer o que precisa com um sorriso tranquilo no rosto. Deixe para desabar depois que a cliente tiver ido embora. Seja qual for a situação, nunca demonstre fraqueza. Nunca diga: não sei fazer. Pegue roupas que nunca fez, nunca viu em algum lugar e teste moldes, treine em tnt, peça ajuda na internet. Quando eu costurava não existiam costureiras que ajudavam umas às outras. Hoje, com a internet, tudo está infinitamente mais fácil. Então, se você não pegar roupas difíceis pra fazer, nunca vai crescer como costureira e, assim, nunca vai poder valorizar teu trabalho e cobrar mais caro. Por isto que me dedico sempre a responder quem eu vejo que está se esforçando. Dá pra saber, pela maneira de pedir, quem é a amiga que está modelando e encontrou uma dificuldade, de outra que nem começou a fazer a roupa e quer tudo mastigado, sem esforço. Eu gosto e ajudo o primeiro tipo, visto que meu objetivo é treinar modelistas e costureiras, não doar algo pra quem não quer se esforçar. Sempre faça uma tela no tnt ou morim, ou retalhos velhos, prove esta peça e só depois de arrumar o molde, corte no tecido da cliente. Faça a primeira prova na cliente, não sinta vergonha, diga que você faz pelo menos 3 provas da roupa que está costurando. Isto vai deixar as clientes tranquilas. Outra coisa que acho prudente falar a vocês: nunca finalize roupas sem provas. Porque desmanchar peça finalizada pode danificar o tecido. Então prove a tela alinhavada, depois corte no tecido e prove antes de montar a barra, alinhave a gola, etc. Depois da segunda prova é que você finaliza a roupa. 

(Tela: peça cortada em morim, tnt ou retalhos, feita exclusivamente para a primeira prova da roupa e que, após provar e ajustar o molde, pode ser jogada fora.

Nunca finalize peças sem provar.
Imagem: Pixabay

Dei estes exemplos para que saibam que costura é uma profissão linda, criativa, honrada, cobiçada, por isto não se deixem abalar. Nunca deixe que alguém as(os) desrespeite. Seja teu atelier chique ou simples, se valorize que, aos poucos, você consegue arrumar um espaço confortável para as clientes. Cliente quer a roupa bem feita e só isto. A aparência do lugar contará poucos pontos, se você for a melhor. Eu sempre fiquei de pijama, muitas vezes descalça e sem pentear os cabelos, a casa toda desarrumada e as clientes às vezes reclamavam na brincadeira, mas acabavam me falando que preferiam me ver daquele jeito, desde que as roupas saíssem. Porque sempre me diziam que tudo o que eu fazia era perfeito, que dava prazer de vestir as roupas que eu fazia, que eu tinha “mãos de fada”. Isto preenchia meus dias tristes e eu amava fazer aquilo porque todos os dias tinham clientes maravilhosas pra atender. Ame suas boas clientes e você será amada(o) por elas. Faça o melhor trabalho possível, organize-se com seu tempo, para não se atrasar. Porque você também precisa fazer a tua parte, não são somente as clientes que têm responsabilidades. Entregar uma costura perfeita, perfeitamente passada e bem embalada também deve fazer parte da tua rotina. Seja roupas sob medida ou consertos, passe tudo, dobre bem e entregue algo que teu cliente pegue e os olhos brilhem de ver o capricho. Não contei aqui do meu sofrimento por não ser organizada com o tempo. Muitas vezes passava até duas noites sem dormir, na costura o tempo todo. Só parava pra atender, alimentar e ajudar meus filhos. Mas isto acabou com minha saúde, então, organizar o tempo pra fazer o teu melhor sem se desgastar, é a melhor opção. Coloque uma placa com o horário que pretende atender na frente do teu atelier ou da tua casa. Não pegue mais costuras do que pode fazer. Seja honesta(o) ao dar o prazo necessário para que o cliente busque as roupas. Nunca se esqueça de anotar o fone do cliente no pedido. E cobre corretamente pelo teu trabalho. 

Vou deixar aqui em baixo um vídeo que gravei, ensinando como cobrar pelo teu trabalho e também um texto que escrevi para o blog da Máximus Tecidos sobre o mesmo tema. Vou colocar também uma playlist no Youtube onde coloquei um curso de Acabamentos de Costura, pode ser que você precise de auxílio com algum tipo de finalização e este curso pode te ajudar. Aprenda, se recicle e seja o mais feliz possível no teu trabalho. 

Beijos ♥♥♥ 

Aprenda a calcular o valor do teu trabalho.
Fonte: Youtube

Ou, se aprende melhor com uma boa leitura e calculadora na mão, leia este texto (clique a foto para abrir):

Costureira, você sabe cobrar pelo teu trabalho?
Fonte: Maximus Tecidos

Espero que tenham aproveitado bem esta leitura. Beijos e até à próxima, meus amores ♥

MODELAGEM POR ANTONIA FERREIRA
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