Hoje vou falar a vocês sobre resiliência. O que seria isto? 

Segundo o Dicionário Aurélio, resiliência é: 

1 – Propriedade de um corpo de recuperar a sua forma original após sofrer choque ou deformação. 

2 – Capacidade de superar, de recuperar de adversidades. 

Então, vamos conversar sobre a segunda definição. 

Geralmente, minhas publicações são voltadas a modelistas ou estilistas, e ainda há muito o que falar a este respeito. Mas hoje, vamos falar às(os) costureiras(os). 

Costurar é uma linda profissão.
Imagem: Pixabay

Costurar é um trabalho árduo e raramente valorizado. As pessoas de fora do ramo, muitas vezes, veem costureiras como uma profissão de baixo nível, as(os) quais não merecem cobrar o valor correto pelo trabalho realizado. Decidem que podem ir buscar a roupa e não pagar visto que, na sua opinião, nem deu trabalho, só foi uma ‘passadinha de linha’. Muitas(os) clientes se acham no direito de colocar o valor que deseja pagar pela costura. Muitos levam roupas para consertar e demoram até anos para buscar, desrespeitando totalmente a necessidade da costureira, de receber pelo trabalho executado. Muitas vezes, parentes e amigos aparecem com sacolas de roupas para consertar, sem a intenção de pagar pelo trabalho que será realizado. Se a costureira cobra, ficam ofendidos. Pessoas enviam roupas sujas para o conserto, desrespeitando os hábitos de higiene da costureira. Outra traz a roupa e não para de ligar ou vir e voltar todos os dias, perguntando se está pronto e, se não estiver, soltam um desaforo. Outros aparecem pra ‘bater papo’ e ficam ali, atrapalhando, pegam uma pinça aqui e colocam em outro lugar, pegam uma tesoura, distraídos, e as colocam em outro lugar. Quando vão embora a gente fica louca procurando onde estão os objetos que usamos e que sempre sabemos onde deveriam estar. Tem gente que acha que costura não é trabalho, daí a cliente chega e a pessoa não arreda o pé, fica ali, a costureira atendendo a cliente e a ‘amiga’ dando palpites. Outros levam a roupa pronta e voltam dali a alguns dias dizendo que não serviu, querendo o dinheiro de volta sendo que, na hora de buscar, estava bom. Já aconteceu comigo de fazer um vestido lindo, todo bordado à mão, para uma mãe de noivo e ela, depois de usá-lo na festa, veio à minha casa dois dias depois com o vestido todo rasgado nas costuras, dizendo que eu tinha comprado um tecido podre. Como eu era tímida na época, devolvi o dinheiro a ela e a pessoa ainda se achou no direito de querer receber até o dinheiro do desconto que dei a ela por ter feito várias roupas para a família. Um estresse totalmente desnecessário, vindo de uma pessoa que eu nem ao menos queria atender. Mas, como estava feito e já tinha me envolvido com aquele tipo de gente, achei melhor devolver o dinheiro da ‘princesa’. Depois, peguei um retalho do tecido que tinha sobrado e puxei pra todo lado, forcei e não rasgou. Foi aí que entendi ter levado um golpe. E isto é algo que não é raro acontecer com costureiras. 

Outra vez, uma cliente me trouxe uma sacola com tecidos e uma calçola usada, enorme e suja no fundilho. Quando voltou eu perguntei o quê tinha pra consertar naquela calcinha, se não tinha nada estragado. Ela teve a cara de pau de me dizer que queria que eu a trocasse pelas costuras que tinha trazido. 

Outra amiga aparecia de vez em quando pra conversar. Chegavam clientes e ela ali, plantada batendo papo, me atrapalhava, visto que atender clientes é algo que precisamos doar o tempo à cliente e não perder a atenção. Esta amiga tinha um cheiro insuportável. Muitas vezes ela ia na porta, dizendo que era pra ‘’não atrapalhar”. Daí, faça idéia, o atelier inteiro infetava e ficávamos, eu e a cliente constrangidas, sem saber o que fazer pra mandá-la embora.  Sinceramente perdi algumas clientes por causa dela, a falta de noção era detestável.

Nunca toque em algum objeto do atelier.
Imagem: Pixabay

Por todos estes motivos e por infinitos outros, muitas mulheres se frustram, algumas entram em depressão e perdem todo o amor pela costura. Daí, quando a pessoa para de trabalhar, os mesmos que a insultavam começam a choramingar por ter perdido a costureira, visto que este não é um profissional tão fácil de encontrar. 

Mas então, depois de desenhar todo este cenário, vamos voltar à resiliência: 

Para que uma pessoa consiga vencer e ser feliz no ramo da costura, é preciso, em primeiro lugar, ter a própria estima nas alturas. Aprender nunca aceitar desaforos e falar mais alto que a cliente, se for necessário, obviamente que com respeito, sem perder a compostura. Porque, se você perde a autoconfiança e o prazer de costurar, não te sobra quase nada. Pense que aceitar clientes maus vai te estressar e te fazer mal. Ninguém trabalha por diversão. Quem costura para fora faz isto porque precisa daquele dinheiro para sustentar ou ajudar nas despesas da casa. Mesmo que teu atelier seja modesto, você precisa encará-lo como algo profissional.  

Nunca aceite um possível cliente desmerecendo você ou o teu trabalho, ou a tua profissão. Mostre ao cliente o teu valor. Se o cliente te diz para baixar o preço, porque “fulana de tal cobra a metade do teu preço”, diga a ela que pode levar suas roupas à fulana de tal. Mostre no teu semblante que não se intimidou. Nunca demonstre raiva, medo ou frustração, sempre mostre tranquilidade, mesmo que, por dentro, esteja para explodir. 

Um exercício que fiz por muito tempo, e que me ajudou muito, foi treinar na frente do espelho. Ficava lá, toda hora que podia, treinando a cara que faria e como responderia a determinados clientes. Muitas vezes falei para os clientes levarem embora suas roupas, levarem para as outras barateiras ou dizia que eu não costuraria pra elas porque tinham me ofendido. E, invariavelmente, depois de testarem outras, elas voltavam. Vinham bem educadas, falando numa voz suave e me explicando que fulana tinha estragado todos os seus tecidos ou roupas. Que eu cobrava caro, mas tudo ficava perfeito. A partir dali, desenvolvíamos uma parceria amigável, sempre com respeito dos dois lados. Estas clientes passavam a ser aquelas que nunca mais reclamavam do preço e ainda falavam bem de mim para as amigas, que também acabavam virando clientes. 

Treine teu semblante e diálogos na frente do espelho.
Imagem: Pixabay

Quando vi que a única opção que teria era treinar no espelho, visto que estava começando a odiar as clientes, fiz isto por meses, imaginava qualquer situação que tinha me estressado ou algo que nunca tinha acontecido, as quais imaginava que um dia poderia acontecer. Criei vários diálogos para vários tipos de situações e, aos poucos, comecei a colocar em prática. Sempre com o coração na mão, mas mantinha o rosto inflexível, a voz doce e o melhor sorriso na cara. Eu tinha um semblante que conhecidos novos me perguntavam sempre porquê eu estava brava. Então treinei para tirar a carranca do rosto também. O resultado foi esta cara que vocês veem até hoje, sempre calma.  

A primeira coisa que treinei foi o preço. Sempre eu pensava em cobrar um valor, mas cobrava menos. E sempre ficava me culpando por dentro porque achava que tinha cobrado pouco. Descobri que meu coração tinha um valor e que eu dava sempre um valor abaixo. Daí, depois de treinar no espelho, comecei a dar o preço correto. O impressionante é que ninguém reclamou, porque eu dizia o valor tranquilamente. Comecei a ganhar mais.  

Lembram daquela amiga que aparecia sempre pra conversar? Um dia, depois de pensar muito, pedi a ela para não aparecer mais no meio do dia, porque eu tinha que ganhar dinheiro, que não estava ali brincando e que ela me atrapalhava toda vez que chegavam clientes. Que eu não tinha tempo pra conversar então me desculpasse, mas não queria que aparecesse sem avisar. Ela ficou magoada, mas depois entendeu. E somos amigas até hoje. Nunca disse nada do cheiro, porque achei que iria ferí-la demais. 

Meus filhos sempre diziam que eu sorria o tempo todo enquanto a cliente estava presente e que, quando iam embora, de repente e eu ficava séria. Mas era porque eu sempre estava preocupada. Só que os outros não têm nada a ver com isto, não posso colocar meus pesares nas costas de clientes. Então sorrir e ficar tranquila virou algo automático, eu não sofria para sorrir mesmo que o assunto fosse ruim, como negar costuras fiado, ou explicar porquê precisava de tanto tecido para confeccionar uma roupa, sendo que a cliente tinha trazido 30%  de tecido a menos. Sempre mostrava segurança e tranquilidade. Minhas clientes me amavam, mas não era raro ouvir boatos de que, para fazer uma roupa comigo, tinha que trazer um balde de dinheiro. Obviamente isto não me incomodava porque eu sabia que, para os padrões da cidade, meu preço realmente era alto. 

Cobre o valor do teu trabalho.
Imagem: Shutterstock

Treine para falar com clientes que gostam do fiado. Depois de praticar muito na frente do espelho, descobri uma boa tática de negar sem me envergonhar ou envergonhar a(o) cliente: em primeiro lugar, sempre diga o valor da costura na hora que a(o) cliente traz a roupa. Porque, se ela(e) achar caro, terá a liberdade de levar em outro lugar. Na hora de buscar eu mostrava a roupa e sempre pedia para fazer a última prova ali, na hora em que iam buscar. Se a pessoa se recusasse a provar, eu avisava que era a chance de eventualmente corrigir algo que estivesse errado. Daí, quando a pessoa tirava a roupa provada, eu ia dobrando e já falava o preço, a roupa na mão, fora da sacola.  Era a hora X, e sei que muitas costureiras passam exatamente por isto. Se a cliente tinha intenção de levar fiado, neste momento tinha que me falar. Digamos que a pessoa dissesse: ‘ai, eu não trouxe dinheiro, por isto ou aquilo, posso levar e vir te pagar amanhã?’ Eu colocava a roupa, tranquilamente, na sacola, o sorriso colado no rosto e dizia que ia guardar pra ela buscar com o dinheiro, visto que eu não tinha tempo de fazer cobranças, caso ela não trouxesse o dinheiro. Se a pessoa insistisse, eu dizia que sustentava minha casa, por isto não podia entregar fiado. Ponto final, dizia isto com a voz suave, mas firme. Quantas e quantas centenas de vezes a pessoa voltou, algumas vezes no mesmo dia, com o dinheirinho na não, pra buscar a roupa. Se, por acaso, a pessoa não quisesse provar, eu não desgrudava da sacola até o dinheiro estar na minha mão. Treine e, assim, vai parar de receber calotes. Nunca entregue a sacola de roupas sem receber o dinheiro, mas não pode magoar o cliente. Então, esta era minha estratégia para que o cliente nunca notasse que eu fazia isto de propósito, visto que a maioria vinha com o dinheiro para pagar. Mas um só calote estraga o mês inteiro de planejamento e trabalho nosso, então eu tinha que tomar um cuidado com todos, sem que nenhum se sentisse acuado. Parecia algo casual mas era muito bem ensaiado. Exatamente para parecer casual. 

Treine na frente do espelho para responder a clientes mal educadas. Tive uma cliente muito rica e conhecida na cidade por ser uma pessoa intimidadora e arrogante. Uma vez, ela veio trazer um conserto, pra me testar. Eu vi na cara dela que estava ali me testando, visto que a costureira dela morava a 3 casas da minha. Na hora de buscar, obviamente ela amou (porque eu deixava a roupa sempre mais bonita do que elas traziam), disse que ia pegar o dinheiro no banco e que, na volta, me pagaria. Eu, sorridente como sempre, disse com firmeza que tudo bem, na volta então ela pegava a roupa senão eu me esqueceria (to rindo aqui da lembrança). Mas, por dentro, eu estava num nervoso que só por Deus. Porque cada dinheiro não recebido era um transtorno pra mim. Dali dois dias ela veio buscar. Se eu tivesse entregado fiado, ficaria o tempo todo achando que tinha levado um calote, visto que, talvez, nunca mais ela voltasse para pagar. Mas, em outra ocasião, a mesma veio trazer um vestido pra fazer. Dei o preço e ela gritou comigo. Disse: COMO ASSIM, QUEM VOCÊ PENSA QUE É? COMO UMA COSTURA CUSTA TUDO ISTO, UM TRABALHINHO DESTE??? (Isto mesmo, gritando). Mas eu fiquei irredutível, meu preço era aquele. Ela gritou mais alto, perguntou se eu ia perder uma cliente boa só pra não baixar o preço? Eu olhei-a bem firme nos olhos, respirei fundo pra não gritar também e respondi, com toda a gentileza que me era peculiar, que cliente boa eram as que pagavam o que eu cobrava, e em dia. E que eu estava lotada de costuras. Pensei que ela iria embora, mas, ao invés disto, se acalmou e deixou o vestido pra eu fazer, começou a falar tranquila, numa calma impressionante. Daí eu entendi que gritar era a maneira dela conseguir o que queria de graça, sempre. Como ficou sem argumentos, baixou a bola e voltou a conversar normalmente. Não importa quanto dinheiro a pessoa tem, se gosta de não pagar, ela sempre vai dar um jeito de conseguir. Muitas vezes, clientes ricas são muito piores para pagar que clientes pobres, anotem isto. Porque a pessoa pobre honesta sempre guarda o dinheiro contado da costureira, e não o gastam. Nunca ficam de pechincha, perguntam o preço, são uma gracinha de lidar. 

Fui testando minhas técnicas com um cliente e outro, até me acostumar. No começo, por um mês talvez, você sofrerá muito ao fazer isto. Vai sentir vontade de chorar, vontade de vomitar, mas vai dizer o que precisa com um sorriso tranquilo no rosto. Deixe para desabar depois que a cliente tiver ido embora. Seja qual for a situação, nunca demonstre fraqueza. Nunca diga: não sei fazer. Pegue roupas que nunca fez, nunca viu em algum lugar e teste moldes, treine em tnt, peça ajuda na internet. Quando eu costurava não existiam costureiras que ajudavam umas às outras. Hoje, com a internet, tudo está infinitamente mais fácil. Então, se você não pegar roupas difíceis pra fazer, nunca vai crescer como costureira e, assim, nunca vai poder valorizar teu trabalho e cobrar mais caro. Por isto que me dedico sempre a responder quem eu vejo que está se esforçando. Dá pra saber, pela maneira de pedir, quem é a amiga que está modelando e encontrou uma dificuldade, de outra que nem começou a fazer a roupa e quer tudo mastigado, sem esforço. Eu gosto e ajudo o primeiro tipo, visto que meu objetivo é treinar modelistas e costureiras, não doar algo pra quem não quer se esforçar. Sempre faça uma tela no tnt ou morim, ou retalhos velhos, prove esta peça e só depois de arrumar o molde, corte no tecido da cliente. Faça a primeira prova na cliente, não sinta vergonha, diga que você faz pelo menos 3 provas da roupa que está costurando. Isto vai deixar as clientes tranquilas. Outra coisa que acho prudente falar a vocês: nunca finalize roupas sem provas. Porque desmanchar peça finalizada pode danificar o tecido. Então prove a tela alinhavada, depois corte no tecido e prove antes de montar a barra, alinhave a gola, etc. Depois da segunda prova é que você finaliza a roupa. 

(Tela: peça cortada em morim, tnt ou retalhos, feita exclusivamente para a primeira prova da roupa e que, após provar e ajustar o molde, pode ser jogada fora.

Nunca finalize peças sem provar.
Imagem: Pixabay

Dei estes exemplos para que saibam que costura é uma profissão linda, criativa, honrada, cobiçada, por isto não se deixem abalar. Nunca deixe que alguém as(os) desrespeite. Seja teu atelier chique ou simples, se valorize que, aos poucos, você consegue arrumar um espaço confortável para as clientes. Cliente quer a roupa bem feita e só isto. A aparência do lugar contará poucos pontos, se você for a melhor. Eu sempre fiquei de pijama, muitas vezes descalça e sem pentear os cabelos, a casa toda desarrumada e as clientes às vezes reclamavam na brincadeira, mas acabavam me falando que preferiam me ver daquele jeito, desde que as roupas saíssem. Porque sempre me diziam que tudo o que eu fazia era perfeito, que dava prazer de vestir as roupas que eu fazia, que eu tinha “mãos de fada”. Isto preenchia meus dias tristes e eu amava fazer aquilo porque todos os dias tinham clientes maravilhosas pra atender. Ame suas boas clientes e você será amada(o) por elas. Faça o melhor trabalho possível, organize-se com seu tempo, para não se atrasar. Porque você também precisa fazer a tua parte, não são somente as clientes que têm responsabilidades. Entregar uma costura perfeita, perfeitamente passada e bem embalada também deve fazer parte da tua rotina. Seja roupas sob medida ou consertos, passe tudo, dobre bem e entregue algo que teu cliente pegue e os olhos brilhem de ver o capricho. Não contei aqui do meu sofrimento por não ser organizada com o tempo. Muitas vezes passava até duas noites sem dormir, na costura o tempo todo. Só parava pra atender, alimentar e ajudar meus filhos. Mas isto acabou com minha saúde, então, organizar o tempo pra fazer o teu melhor sem se desgastar, é a melhor opção. Coloque uma placa com o horário que pretende atender na frente do teu atelier ou da tua casa. Não pegue mais costuras do que pode fazer. Seja honesta(o) ao dar o prazo necessário para que o cliente busque as roupas. Nunca se esqueça de anotar o fone do cliente no pedido. E cobre corretamente pelo teu trabalho. 

Vou deixar aqui em baixo um vídeo que gravei, ensinando como cobrar pelo teu trabalho e também um texto que escrevi para o blog da Máximus Tecidos sobre o mesmo tema. Vou colocar também uma playlist no Youtube onde coloquei um curso de Acabamentos de Costura, pode ser que você precise de auxílio com algum tipo de finalização e este curso pode te ajudar. Aprenda, se recicle e seja o mais feliz possível no teu trabalho. 

Beijos ♥♥♥ 

Aprenda a calcular o valor do teu trabalho: https://youtu.be/Q318yMRkcQM
Fonte: Youtube

Ou, se aprende melhor com uma boa leitura e calculadora na mão, leia este texto, também, escrito por mim:

https://blog.maximustecidos.com.br/costureira-voce-sabe-cobrar-pelo-seu-trabalho/

Espero que tenham aproveitado bem esta leitura. Beijos e até à próxima, meus amores ♥

MODELAGEM POR ANTONIA FERREIRA
face.png
youtube

© 2024 Criado com amor por Vick Ventlando. ♡